Por Felipe de Albuquerque
As belas imagens registradas dos festivais e dos parques repletos de pessoas com suas famílias e amigos fazendo piquenique ao pé de alguma sakura ainda acompanham as jovens japonesas, hoje com 19 e 11 anos, na empreitada advinda com a mudança. Do Japão ao Brasil e, mais especificamente, à Cuiabá, a transição foi ainda mais abrupta, em inúmeros aspectos, sobretudo, o cultural e o social. Por isso, além de cultivar as inúmeras lembranças de uma vida inteira em outro país, desde quando chegou à Cuiabá, Beatriz manteve o desejo de ter um grupo de dança voltado ao j-pop (abreviação para pop japonês).

Esta seria uma forma de se encontrar com a cultura nipônica, a sua cultura; ambientar-se, tornando o período de adaptação um pouco mais confortável e, ao mesmo tempo, divulgar os conhecimentos sobre os costumes que sempre reverenciou. O sonho se concretizaria somente alguns anos depois, em 2015, quando encontrou no grupo de taiko desenvolvido na Associação Nipo Cuiabá e Várzea Grande, amigas que toparam a “pequena loucura” de criar um grupo cover de dança j-pop e k-pop no centro geodésico da América do Sul. São elas: Stephanie Santos, Ketyllen Espírito, Izabella Cames² e, claro, a irmã e maknae³ da turma, Alessandra Okimura; as “A.ngels”.
Com o fenômeno da cultura pop japonesa e, principalmente, a coreana, em franca expansão pelo mundo todo, as A.ngels perceberam um cenário muito favorável à divulgação dos trabalhos de bandas como BTS e J Soul Brothers localmente. A maior prova deste momento positivo para a cultura nipo e coreana foi a escolha da data para o debut do grupo: durante o último Festival do Japão realizado em Cuiabá entre os dias 9 e 12 de outubro de 2015.
Sob forte chuva, as cinco integrantes se apresentaram ao som de Show me Your Heart ( Happiness) e R.Y.U.S.E.I., no primeiro dia do evento. Apesar das dificuldades e do medo de escorregar sobre o palco, a oportunidade foi muito significativa para que o grupo se fortalecesse e se firmassem para o ano que seguiria. “A gente nunca pensou em continuar exatamente, mas aconteceu e está sendo ótimo. Ao longo deste ano ensaiamos quase todos os domingos e algumas vezes durante a semana. É difícil porque os horários não batem”, comenta Stephanie.

Além da diferença entre os compromissos individuais, há também a questão da distância geográfica. Duas delas moram em bairros distantes de Várzea Grande; as outras três em Cuiabá. Assim, o ponto de convergência é na Associação Nipo, também em Várzea Grande, quando todas se encontram após as atividades do taiko.
Ainda sobre os caminhos percorridos por cada uma para fazer este sonho acontecer, dia após dia, cada uma conta com alguma peculiaridade em suas trajetórias. A família da Ketyllen, por exemplo, foi uma das primeiras a chegar a Várzea Grande e conservam a forte tradição local e cultural de alimentos e música. São de “tchapa e cruz”. Mas sua mãe sempre foi aficionada pelo universo nipo e coreano e, por isso, ela cresceu observando de forma muito natural a geladeira com um lado de buchada bovina ou pequi e, do outro, furikake, sushi e nori.
“Eu acho que só liguei a TV em casa e mostrei para meus pais e irmão o caminho. Eles adoram doramas e escutam k-pop também. Há alguns anos a Associação Nipo era mais fechada e minha mãe já havia tentado se associar, mesmo não tendo nenhuma descendência. Quando eles se abriram e aceitaram membros da localidade, conseguimos nos associar. Meu irmão se interessou por basebol e eu já fiz kendo, depois nihongo e, finalmente, taiko”, explicou Ketty. .
A mãe da Stephanie costuma fazer um trabalho mais de formiguinha, mostrando vídeos das meninas para colegas de trabalho e tentando encaixar as A.ngels em eventos e programações culturais. Já a mãe da Beatriz, por pertencer à Associação Nipo, atua fortemente como entusiasta do grupo, auxiliando na organização dos eventos. “Isso também explica porque escolhemos a Bea para ser a nossa líder. Além dela ter tido a ideia de criar o grupo, a Bea faz os corres e entra em contato com um monte de gente quando queremos nos apresentar em determinado evento, como foi no caso do Festival do Japão”, aponta Steph.
Para 2017, o projeto inicial é investir em vídeos-tributo ao grupo BTS, que estará no Brasil nos dias 19 e 20 de março com a turnê “The Wings Tour”. Além disso, a agenda deve abrigar outros eventos culturais, por meio de convites que vão surgindo à medida em que elas consolidam o nome do grupo no cenário local.
A proximidade entre elas e a sintonia vão além dos palcos e dos assuntos relacionados à música, dança, k e j-pop. As meninas também olhem com criticidade para diversas questões que a cultura coreana, japonesa e brasileira tem em comum, como violência de gênero e o machismo. Através de filmes e notícias relacionadas às próprias celebridades que acompanham, percebem as diversas nuances que atravessam as culturas e permanecem arraigadas até hoje. “Nós temos opiniões diversas, mas costumamos conversar muito sobre as notícias que saem lá e comparamos com nossa realidade. Dialogamos sobre isso porque, nos palcos, costumamos a fazer coreografias sensuais e, por vergonha, pensamos muito sobre a opinião dos outros. Mas paro e digo ‘vai e dança, sem ligar para julgamentos’”, opina Steph.
Quando pensam mais adiante, elas não sabem dizer por quanto tempo o grupo permanecerá. “Eu quero que meus filhos continuem as A.ngels”, brinca Kettyllen. Sabem, entretanto, com convicção, sobre o carinho, a admiração e o respeito que sentem umas pelas outras. Poucos minutos de conversa e logo percebemos a sintonia que as mantém unidas. “Acima de tudo somos muito amigas. Então fazemos tudo com muito carinho, porque de fato gostamos das músicas, das bandas e dos artistas. Se o grupo deixa de existir, a amizade permanecerá”, diz Bea.
¹ Hanami é o costume tradicional japonês de contemplar a beleza das flores, sendo que “flor” neste caso quase sempre significa sakura ou umê;
² Izabella Cames não pode participar da entrevista;
³ Maknae é o mais novo do grupo;