Como as bibliotecas abandonadas em Várzea Grande evidenciam o descaso com a Educação no município

Por Lázaro Thor Borges

A biblioteca pública Farol do Saber, localizada no centro de Várzea Grande, foi criada e desenhada para ser uma biblioteca infantil. Quem frequenta o lugar, no entanto, já passou (e muito) da tenra idade. Um desses frequentadores, o motorista Antônio Francisco, veio para a cidade em 1988, vindo interior do Paraná, e hoje exibe os seus saudáveis 66 anos todas as tardes na biblioteca.

O local, abandonado há mais de dois anos pela prefeitura, tornou-se um ponto de encontro da terceira idade várzea-grandense. Mais cinco ou sete colegas de Antônio aparecem por lá, sentam-se na porta da pequena edificação com suas cadeiras portáteis de praia e cuias de tereré.

Quando fui até lá, numa quinta-feira de janeiro, encontrei todos eles muito bem acomodados, conversando amenidades diante do cenário lúdico. Falavam de saúde, família e detalhes de suas histórias de vida. Interrompi o papo atravessando a entrada e encostei o rosto na porta de vidro de insufilme. Enxerguei com esforço os livros caídos e as prateleiras maldispostas ao redor da sala imunda.

Antes de suspender suas atividades, a Farol do Saber recebia estudantes até do interior do estado. Escolas organizavam comitivas para que os alunos conhecessem uma coisa raríssima em Mato Grosso e no Brasil: uma biblioteca.

O que mais encantava as crianças, além dos livros, era o formato do prédio. A biblioteca tem esse nome por conta da sua torre, que lembra uma igreja ou um castelo. É possível subir até o topo, onde um parapeito protege os leitores curiosos de caírem lá de cima.

O prédio foi inaugurado em 2001, na gestão do prefeito Jayme Veríssimo de Campos, marido da atual gestora, a prefeita Lucimar Campos, ambos do partido Democratas. A biblioteca foi construída em uma praça cheia de mangueiras e oitis, e divide espaço com outras duas edificações abandonadas: o ginásio conhecido como “Fiotão” e o Restaurante Popular.

A praça é vizinha ao Terminal de Ônibus André Maggi e isso facilita com que o local seja um ponto de encontro recorrente. Foi lá que entrevistei a professora Maria Aparecida da Silva, secretaria geral do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público da cidade, o Sintep-VG. “Cida”, como é conhecida, tinha terminado uma aula na Escola Municipal Porfíria Paula de Campos, quando chegou no seu Gol vermelho vinho, surrado e barulhento.

A professora me conta que o no ano passado Sintep havia elaborado uma carta compromisso para atender as demandas do setor da educação na cidade. O documento previa investimentos de revitalização para as duas bibliotecas públicas de Várzea Grande. A segunda, a Biblioteca Municipal Professora Laurinda Coelho no bairro Cristo Rei, também está abandonada.Contudo, a prefeita Lucimar recusou-se a assinar o documento.

Em junho de 2016, a última greve organizada pelo sindicato terminou com um acordo de reajuste salarial somente para os professores. O presidente do Sintep, Gilmar Soares Ferreira, travou uma batalha caótica com a prefeita, mobilizando os servidores pelas ruas da cidade. Lucimar, por sua vez, chamou a greve de “ilegal” e combateu a paralisação acusando o sindicato de ser “eleitoreiro”. Gilmar, de fato, candidatou-se a vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT) naquele ano e a greve foi encerrada sem muitos avanços.

Apesar disso, o Sintep ainda é uma das poucas organizações que incomoda o executivo municipal com o problema das bibliotecas. Pouco se fala sobre o tema. A própria Cida quando perguntei se poderia me indicar alguém que defendesse a causa respondeu que essa seria uma tarefa dificílima. O que acontece, na verdade, é que pouca gente sabe que aquele “castelinho” abandonado na praça é de fato uma biblioteca.

O último puxão de orelha recebido pela prefeitura veio da imprensa. Em julho do ano passado, ou seja, há mais de seis meses, a TV Centro América produziu uma pequena reportagem em que denunciava o descaso em relação as bibliotecas. Na ocasião, o então secretário de educação do município Osmar Capilé, informou que somente a biblioteca do Cristo Rei teria previsão de reforma:

“Nós acreditamos que no segundo semestre isso já esteja realizado”, falou o secretário na época, olhando sério para a câmera. A despeito da promessa, a Laurinda Coelho continua abandonada, como sempre esteve há mais de cinco anos.

Ao que parece, este abandono é calculado. No orçamento encaminhado e aprovado pela Câmera Municipal não há nenhuma previsão de reforma, revitalização ou compra de livros para as duas bibliotecas da cidade. O maior orçamento na área de educação do município é a reforma do “Fiotão” cuja obra deve custar R$ 4,2 milhões.

Pedro Marcos Lemos, que ocupa o cargo de secretário de Comunicação do município, explica que o motivo para a paralisação da biblioteca do Cristo Rei foi um laudo técnico que apontou “grave risco estrutural” na edificação. Lemos diz que já existe uma emenda parlamentar no valor de R$ 250 mil para reforma do prédio. Mas tudo ainda sem prazos. A explicação é de que “projetos e planilhas” ainda estão sob análise para que posteriormente uma licitação seja iniciada. A Farol do Saber, porém, nem a uma promessa desse tipo pode se fiar, já que a prefeitura diz não saber o que será feito.

Na tentativa de amenizar o problema do abandono, Pedro Lemos lembrou, por e-mail, que a prefeitura investiu na construção de oito escolas, com bibliotecas próprias. Mas diferença potencial entre as bibliotecas escolares e as duas bibliotecas incrustadas em regiões centrais da cidade é que estas últimas possuem um caráter comunitário, com capacidade de transformar qualquer munícipe em um leitor assíduo. Para isso, porém, é preciso que estejam bem estruturadas, aparelhadas e seguras. E principalmente que mantenham as portas abertas.